Ao livro, o que resta, é esperar o carnaval chegar

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Acompanhamos, ao longo da última semana, manchetes eufóricas do mercado editorial pelo sucesso nas vendas dos livros que foram utilizados como motes para sambas na Sapucaí e Anhembi. Um defeito de cor de Ana Maria Gonçalves, enredo da Portela, esgotou. Meu destino é ser onça e O som do rugido da onça de Alberto Mussa e Micheliny Verunsck, livros que marcaram o enredo da Grande Rio também aumentaram a procura, assim como outros, temas centrais dos trabalhos deste 2024 nas escolas de samba. De fato é algo a se festejar. Ver os livros circularem um tanto mais, e chegarem a grupos, antes sem o acesso, é fundamental, ampliando o alcance da literatura, além de promover a tão celebrada legitimação que qualquer obra de arte necessita.

Os carnavais, assim como outras festas como as Quadrilhas Juninas no Nordeste e os Bois em Paritins na Amazônia desde sempre trouxeram a importância disso. Venho, no entanto, dentro dessa fresta, incitar um provocar mais áspero, não sobre as manifestações que nada tem a ver com isso (ou tudo tem a ver), ou os livros que merecidamente neste ano foram festejados, mas sobre o próprio mercado e consumo do livro no Brasil, que vive a esperar fatores extraordinários para só assim se celebrar e acontecer. Seja com festas como estas, prêmios, indicações pontuais, e não da maneira osmótica que deveria ser: o livro por seu dizer.

Tais eventos e outros acontecimentos em vez de atuarem de forma complementar dentro da apresentação ou debate literário, acabam por ser, muitas vezes, o único motivo deste encontro, que na falta de outros espaços cumprem este papel muito bem.

Obviamente não tenho uma resolução para tudo isso, mas creio que há tempos um debate neste rumo, e em grandes canais, é necessário para sugerirmos intenções de país para os próximos dias. Sei que esta cena não é exclusiva daqui, pelo contrário, talvez esteja muito mais pra regra que exceção, mas não consigo dissociá-la de nossa história colonial duplamente truculenta, quando tomamos por base o não-direito à educação em comparação aos vizinhos hispânicos e norte-americanos. O maior sintoma disso está na história das Universidades. Enquanto a América Espanhola firmou sua primeira em 1538, na República Dominicana, e até o final do século XVIII, possuía dezenove espalhadas por todo o território, a América Inglesa, no mesmo período, vinte, no Brasil, apenas em 1808 e por conta da corte ter aportado por aqui, foram criados os primeiros cursos superiores, sendo somente no século XX, e já na República, a instalação das primeiras Universidades. Dessa forma, apenas há um século temos o direito da construção intelectual na própria terra, com o adendo de que em grande parte desse tempo, foi uma exclusividade para as elites.

Reparem: nisso o papel do livro (ou da sua falta) é intrínseco, visto também o direito editorial até o início do século XIX está ligado exclusivamente à imprensa da corte, reservada apenas a publicação de documentos oficiais. Apresento isso no texto sobre o histórico do Mercado Independente. Assim onde estava o livro no meio disso tudo?

Como resistência, onde pode estar, esteve, mas sempre vilipendiado, seguindo assim até hoje em suas devidas proporções. Nunca tivemos uma política de amplo alcance destinado ao livro, nem mesmo de apropriação, como as que conhecemos em relação à música ou cinema ao longo da história. Exemplos: a difusão do Samba e da Bossa Nova nas décadas de 1930 e 1950, respectivamente, trazendo-os como símbolos nacionais, ou com o Cinema Novo na década de 1960.

A própria elite econômica, herdeira do legado colonial, seguiu e segue o mesmo passo. Dona dos meios de produção e comunicação, orquestra os desejos de consumo do viver neoliberal tão celebrado por ela para seguir a toada secular de seu mandonismo. Interessante lembrar a recente repercussão sobre o caso da proibição de livros no Big Brother Brasil, programa de maior audiência da TV Globo, explicitando tal cenário. É intrigante pensar que nenhuma das quatro maiores redes de TV do país possuam um programa voltado ao livro em sua grade de programação aberta. Os que possuímos, estão restritos a canais institucionais, não conseguindo nem de longe alcançar todo o território nacional. Sim, a TV ainda é o principal veículo de comunicação deste país desigual que vivemos.

Diante disso, como pensar a vida própria do livro de maneira orgânica, se ainda, enquanto país não conseguimos ou não nos deixam conseguir trazê-lo para o bem comum? E isso passa por tantos fatores: o modo como é regido o encontro dos alunos ao livro e a leitura na escola; o baixo acesso a espaços de leitura; a centralidade e escassez de espaços de compra de livros, entre tantas questões.  Assim, um papel que seria complementar à celebração de um livro, ampliando suas leituras, torna-se em sua grande maioria a única forma de conhecimento deste, dando ao carnaval ou a festa que seja, essa função que por obrigatoriedade não são deles, mas que na sua falta, o cumprem muito bem. E assim seguimos na falsa ilusão que a literatura segue a ser celebrada como merece. E de forma otimista, o que nos resta é esperar mais um carnaval chegar.

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